O Caminho da Fé é a maior trilha/peregrinação/caminhada que existe no Brasil. A título de comparação, seria a versão brasileira do “Caminho de Santiago”, mundialmente famoso (e que fica na Europa).
O caminho surge lá pelos anos 2002 quando um homem chamado Almiro José Grings voltou da Europa e decidiu que queria ter “algo parecido” com o caminho europeu aqui no Brasil. Almiro era um homem influente na cidade de Águas da Prata, no interior de São Paulo e buscava associar algo entre o religioso e a capacidade de a cidade disfrutar do turismo.
Assim, com mapas em mãos, fora traçado um caminho que partisse da cidade de Águas da Prata (SP), passasse por inúmeras cidades pequenas do interior/sul de Minas Gerais e que chegasse até o Santuário Nacional de Aparecida (SP). Em 2003 surge, oficialmente o Caminho da Fé, uma jornada de 322km que atrais milhares de pessoas todos os anos.
Existem vários caminhos que podem ser feitos até a chegada em Aparecida, totalizando mais de 1000km na soma de todos eles, mas, o que eles têm em comum são os 400km para atravessar a Serra da Mantiqueira, um local bucólico, mas privilegiados no quesito beleza e paz.
Por ser quase em sua totalidade um percurso rural, longe de estradas pavimentadas e do transito regular das cidades, o caminho é todo sinalizado com setas amarelas. As setas são o sinal do caminho e do peregrino que por ele anda. São inúmeras as placas espalhadas por estradas de chão, que não possuem transito, mas que de hora em hora veem passar por sob o seu chão, grupos de pessoas a pé ou de bicicleta, duplas, casais e mesmo pessoas andando sozinhas/os.
Sob a organização da Associação dos Amigos do Caminho da Fé, entidade sem fins lucrativos, toda uma rede de pousadas e pequenos hotéis acabou sendo montada em cidades que anteriormente não gozavam de rede hoteleira nenhuma. Cidades e distritos pequenos como Inconfidentes, Crisólia, Consolação e Paraisópolis viram sua rede de pousadas e restaurante crescer muito a partir da chegada dos milhares de peregrinos que caminham em direção a Aparecida.
É uma jornada de contemplação, de espiritualidade… seja a espiritualidade católica, já que o caminho é todo estruturado em torno de Nossa Senhora Aparecida ou uma espiritualidade interna de autoconhecimento.
A parte mais legal do caminho não é a chegada, é a possibilidade de você fazer amigos. Por ser nacionalmente famoso, ele conecta pessoas dos mais diferentes locais do Brasil, de diferentes sotaques e que estão fazendo a jornada por diferentes motivações e diferentes objetivos.
O Caminho da Fé passa por várias pequenas cidades e distritos, mas há uma orientação de que ele seja feito entre 10 e 15 dias de caminhada, a depender da pessoa que o fará. Quando eu fiz, realizei o percurso em 11 dias, o que dá uma média de 30 quilômetros de caminhada por dia.
Para fazer um percurso tão longo, resolvi estruturar algumas dicas que foram importantes para mim e que julgo serem muito importantes para que você se prepare para uma atividade tão intensa e tão contínua:
Conheça o seu corpo: a maior parte das pessoas que fazem o caminho acabam tendo algum tipo de preparação física antes. Comece exercitando o seu corpo em pequenas caminhadas, mas pratique, sempre que possível, caminhadas de mais de 10km/15km.
Conhecer o seu próprio corpo é a tarefa mais importante da preparação para uma atividade tão extenuante, afinal, sabendo onde o seu pé incomoda, ou qual o seu melhor calçado, evitará que você tenha problemas depois de caminhar 100km ou 150km.
Pesquise: se você chegou até aqui é porque está realmente interessado na realização do caminho. Entre no site de Associação dos Amigos do Caminho, pesquise vídeos no Youtube e leia relatos de pessoas que já fizeram o percurso. É dessa forma que você terá uma real dimensão do tamanho dele e de seus desafios.
Vá! Não tenha medo de realizar. Muitas pessoas acabam desistindo antes mesmo de ir por acha que não “darão conta”. Durante os 11 dias de caminhada eu conheci gente de todas as idades e de diferentes portes físicos, nada é tão impossível que você não consiga fazer.
Não tenha medo de desistir ou pedir ajuda: conheci pessoas que estavam no limite do seu próprio corpo e as aconselhei a desistir antes de alguma lesão mais séria ou alguma coisa que pudesse prejudicar a sua própria vida. Os calos podem ser evitados e/ou facilmente tratados, agora, uma lesão de tendão, tornozelo ou quadril pode deixar consequências para a sua vida. Não é esse o objetivo do caminho! Na eminencia de alguma lesão mais severa, não tenha medo, desista.
Prepare-se mentalmente: muitos peregrinos afirmam que a verdadeira preparação para realizar o caminho está na sua mente, que mesmo pessoas com condições físicas muitas vezes ímpar acabam desistindo pois “tem um mental fraco”. É preciso ter total domínio da sua mente e dos sinais que o seu corpo manda. Muitas vezes pensei em desistir, mas, após descansar a sombra de alguma árvore ou em algum ponto de apoio, parecia “estar renovado”. Minha vontade de desistir nada mais era do que o meu corpo reclamando de cansaço e pedindo uma parada.
Tempo: não temos como prever todas as condições climáticas que enfrentaremos durante 10/12/14 dias de percurso, entretanto, saber se o período que você vai é um período de chuvas é importante. As chuvas dificultam em muito o desenvolvimento do trajeto, afinal, 322km com calçados molhados podem ser o fim da linha para muita gente.
Machucados: existe a possibilidade de você ter “algum tipo de avaria” ao longo do desenvolvimento dos 322km. É importante ter alguns medicamentos e materiais que ajudarão você no tratamento e prevenção de machucados.
Por exemplo, em minhas caminhadas anteriores ao caminho eu percebi que meus dedinhos, dos dois pés se machucavam depois de três horas de caminhadas. Então, desde o primeiro dia eu os isolava com algodão e fita, evitando maiores atritos entre os dedos e a meia/calçado. Passei incólume durante todo o processo, sem nenhum calo nos dedinhos.
Não tive tamanha sorte com o calcanhar esquerdo que teve uma bolha (a única do meu pé). Quando do surgimento das bolhas, o “tratamento” correto é furá-las com agulha e linha (preferencialmente fio dental que é asséptico).
Leve também remédios para dores diversas e quem sabe um relaxante muscular para momentos de maiores dores.
Mochila: leve somente o estritamente necessário para a sua vida nos seus dias de percurso. Minha mochila tinha apenas 2kg (1,995 para ser exato), mas, vi várias pessoas sofrendo de muitas dores nas costas por levarem mochilas com 7/8 kg. Existe um cálculo feito entre os próprios peregrinos de que uma mochila não pode ultrapassar 10% do seu peso, eu, porém, acredito que uma mochila não pode ter mais do que 4kg.
Na minha mochila tinha: 3 cuecas, 3 meias, 3 blusas, 1 short, linha e agulha, algodão e band-aid. Levei também cabos carregadores, uma garrafinha retrátil de água e só. Ao corpo eu levei roupa, com jaqueta e um bastão para trecking. É pouco, mas você tem a possibilidade de lavar roupas nas pousadas ao longo do caminho.
Sinalização: o caminho é muito famoso por suas setas amarelas. Durante todo o percurso você estará seguindo-as, mantenha-se focado nelas e obediente a sinalização. É bem improvável que você se perca, assim como é completamente desnecessário a utilização de qualquer tipo de GPS. As setas amarelas e as placas de km são suficientemente espalhadas durante os km para que você se mantenha sempre na direção certa e não ande desnecessariamente.
Cidadezinhas: durante os seus dias de caminhada você vai passar por várias pequenas cidadezinhas e pequenos distritos. Aproveite para conhece-las um pouco mais, sente no banco da praça, interaja com os locais, tome um suco. A oportunidade de conhecer mineiros e paulistas que vivem numa realidade bem diferente da sua é sempre bem encantador.
Conecte-se com o caminho: eu fiz o caminho sozinho e acredito que essa seja a dica mais importante. Esteja aberto para as pessoas e as experiências que você vai ter ao longo do trajeto. Coloque o seu celular no modo avião (ele não vai dar sinal durante a maior parte do tempo) e faça seu trajeto contemplado as infinitas montanhas que você vai cruzar. Dê bom dia para as pessoas, jogue papo fora, caminhe com elas durante um tempo (se possível) e bata muitas fotos. O cenário durante os seus dias de caminhada será sempre surpreendente.
Faça um bom caminho: portador/a dessas dicas, você certamente fará um bom caminho. Eu espero que, assim como eu, você possa vencer as suas dificuldades e superar as suas limitações. Respeitando o seu corpo faça um bom caminho!